Carta testamento de Getúlio Vargas: uma análise

Neste texto, analisaremos alguns aspectos e trechos da carta testamento deixada pelo presidente da república, Getúlio Vargas em 24 de agosto de 1954, data de seu suicídio. O presidente Vargas foi uma das figuras mais controvérsias do governo país. Vargas chega a presidência do Brasil no ano de 1930, através da chamada “Revolução de 30”, sendo que este termo já vem sendo amplamente discutido entre os historiadores, uma vez que o movimento não foi uma revolução, mas os vencedores “revolucionários” assim a autodenominaram, para que o país inteiro acreditasse que o Brasil estava entrando em uma nova etapa da história, na qual as oligarquias haviam sido derrotadas, como o próprio Vargas afirma em seu testamento: “Fiz-me chefe de uma revolução e venci”. Resumidamente Vargas governou o país de 1930 à 1934, no chamado governo provisório, de 1934 até 1937 como presidente constitucional e em 1937, através de um golpe ele governa até o ano de 1945, período este chamado de Estado Novo. 

Ambos os períodos de governos de Vargas, foram marcados pelo autoritarismo e forte poder central, cabe ressaltar que no período de 1934 e 1937 a constituição era razoavelmente democrática e com equilíbrio entre os três poderes, porém pós 37 a constituição brasileira não passava de uma cópia da Constituição da Polônia fascista, daí o apelido de polaca. Os partidos políticos foram proibidos e o congresso nacional fechado, os Estados governavam através de interventores, a imprensa censurada e as greves proibidas.
Compreender o cenário histórico, político e social dos primeiros governos de Vargas é essencial, para que possamos entender as forças que o pressionaram e o frustraram um seu último governo, que culminou com seu suicídio. Getúlio Vargas volta à presidência no ano de 1950 (PTB), eleito pelo povo, como ele mesmo diz: “Voltei ao governo pelos braços do povo”, ele era o mesmo, mas o Brasil havia mudado. Vargas quis governar da mesma maneira que ele fez de 1930 a 1945, mas enfrentou grandes dificuldades. Do primeiro ao último dia, teve seu governo marcado pela crise. Quando ele assumiu o poder, o país já estava mergulhado na inflação e os preços subiam cada vez mais, enquanto os salários estavam estagnados, como podemos ver em um dos trechos de sua carta testamento: “Assumi o governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores de trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500%”. Com a situação difícil, os trabalhadores partiram para lutar por seus direitos, através de greves, exigindo melhores salários. O então ministro do trabalho João Goulart (Jango), sugere aumentar os salários em 100%. Os empresários não aceitaram e a pressão foi tão grande que Getulio acaba demitindo Jango, mas aumentando o salário. Os empresários protestaram e ficaram descontentes e os trabalhadores continuaram a manifestar-se contra a inflação. Vargas era atacado pela direita (UDN) e pela esquerda (PCB). Como vemos em um trecho de sua carta testamento: “Contra a justiça da revisão do salário mínimo, desencadearam os ódios” ou “Não me acusam, insultam, não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa”.
Imagem da carta testamento de Vargas

Mesmo com a revolta dos trabalhadores contra o governo, muitos ainda simpatizavam com Vargas, e ele ainda se considerava o grande “pai dos pobres”, como podemos ver em outro trecho de seu testamento: “Precisam sufocar minha voz e impedir a minha ação para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes”. Esta construção do mito Vargas, segundo Angela de Castro Gomes (2005), começou a ser construída no período Estado Novo, articulada pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) que “começou a articular, possivelmente, uma das mais bem sucedidas campanhas de propaganda política de nosso país” (p.219). Várias iniciativas foram tomadas com o objetivo de louvar o grande chefe de Estado, festividades, cartazes, livros, concursos, artigos, fotografias e outras iniciativas. Outra grande jogada de Vargas e do DIP foi a criação do programa de rádio A hora do Brasil, um programa diário, que era obrigatório em todos os estabelecimentos públicos e alcançava todas as casa do país. Era apresentada pelo ministro do trabalho e apresentava todos as melhorias e projetos feitos em prol do povo brasileiro, principalmente da classe operária:

Todas as providências tomadas desde a revolução envolvendo a resolução da questão social eram atribuídas diretamente a Vargas. Era dele que todas as instruções emanavam, era ele, o inspirador executor de toda a legislação elaborada. [...] Vargas era sempre o sujeito da ação: Vargas criou, determinou, estabeleceu, assinou, mandou executar ou cuidar. (GOMES, 2005, p. 220).

Também era enaltecido todas as qualidades do presidente, em questão:

No gênio do presidente, capaz de, por sua inteligência superior, entender e resolver os problemas da nacionalidade em clima de harmonia, bem conforme a índole brasileira, e na sua imensa e particular sensibilidade, que o levava à franca e direta comunicação com o homem do povo, com a sabedoria das multidões. [...] Vargas: o chefe/guia, praticamente incomparável, já que infalível, e o amigo/pai, que vibrava ao mesmo compasso de sua família. (GOMES, 2005, p. 221).

Desta forma vemos e compreendemos o porquê a carta testamento é destina ao povo, em função desta forte ligação entre o trabalhismo e populismo, que se fortaleceu, em cima da figura do grande líder do povo, o próprio Vargas. Ele mesmo considera seu suicídio, como seu último ato pelo povo brasileiro: “Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta” ou em “Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte”.
Era comum nos governos de Vargas, a exaltação a todos os sacrifícios feitos por parte do presidente e não foi diferente em sua última carta: “tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo à pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado”. Porém muitas vezes os trabalhadores precisaram retribuir os “favores” benignos concedidos pelo presidente. Como no período da Segunda Guerra, onde a carga horária de trabalho foi aumentada, sob o slogan “Trabalho e Vigilância”, “(...) durante 12 anos Vargas tudo dera aos trabalhadores pela força de vontade. Agora cabia a eles retribuir o bem que lhes fora outorgado” (GOMES, p.225).
Matérias nos periódicos da época

Na carta Vargas também menciona seu apoio a criação nacional e como isso revoltou o capital estrangeiro. O governo de Getulio continuava sendo marcado pelo forte nacionalismo, defendendo os setores básicos, como a produção de energia (petróleo, hidroelétricas), mineração e transportes, só poderiam atuar empresas brasileiras. Além disso, as multinacionais não deveriam enviar todo o seu lucro para fora do país, mas investi-lo aqui. Na sua carta Vargas também comenta a revolta que gerou a criação da Petrobrás: “Quis criar a liberdade nacional, na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mas começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma”. Porém o governo americano ficou extremamente desconte com a decisão do governo de estatizar o petróleo, cancelando o milionário empréstimo e ajudas ao Brasil. Vargas criara mais um inimigo.
O final do governo Vargas foram de ataques incessantes contra ele, que antes representava o papel do líder infalível, agora enfrentava forte oposição dos sindicatos, das indústrias, da mídia, da UDN e do capital estrangeiro. O estopim da crise, foi o chamado “Atentado da Toneleiros”, quando um chefe da guarda de Getulio, Fortunato, contratou sem o conhecimento do presidente, um pistoleiro para matar Lacerda, principal representante da UDN, porém o tiro não acertou a pessoa certa, matando Rubem Vaz. Começou então uma investigação, que logo ligou Fortunato ao assassinato e logicamente Vargas. Além de outros esquemas de corrupção que foram descobertos. Não aguentando a pressão destes últimos acontecimentos, Getulio se suicida com um tiro de Colt-32. A própria morte foi à última cartada política de Vargas. “Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta”. O povo entendeu o recado e saiu para as ruas, para combater os inimigos de Vargas, os inimigos da pátria: UDN, grandes empresas internacionais e jornais antigetulistas.
E as últimas e mais celebres palavras do aclamado pelo povo “Pai dos pobres”, tornaram-se realidade: Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.
Protestos em Porto Alegre
Carta Testamento na integra
 
Manifestações pós morte de Vargas
Bibliografia:

GOMES, Angela de Castro. A invenção do trabalhismo. RJ: Ed Da FGV, 2005.


VARGAS, Getúlio. Carta Testamento. 24 de agosto de 1954.

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